Na casa dos meus pais, jamais podíamos dizer "Não gosto!" quando nos colocavam comida à frente. Aos meus filhos, ensinei – ainda muito pequenos – a dizerem "Não aprecio". Lembro-me da primeira vez que a mais velha dos três disse "Não aprecio". Os avós acharam uma delícia, riram-se, e a coisa ficou por ali.
Até há pouco tempo, maçã assada era algo que eu não apreciava, mas forcei-me a gostar porque, algures no tempo, alguém me disse que fazia bem aos intestinos. À semelhança do meu avô António, hoje esforço-me por comer quase tudo o que dizem ser bom para a saúde. Recordo-me que o meu avô não tocava em melancia até ao dia em que o meu pai, num tom de brincadeira, lhe disse que fazia bem à próstata. Nesse verão, passei uns dias com os meus avós, e a minha avó fazia questão de garantir, no final de todas as refeições, a presença da melancia na mesa.
Mas voltando à maçã assada. Da última vez que estive com o meu pai, a sobremesa foi... maçã assada. Brincámos como sempre: o meu pai insistia para que eu tirasse a casca, e eu respondia com aquilo que ele sempre nos dizia: "Não pode ficar nada no prato! É tudo para comer e não se diz 'Não gosto!'" Acabei por lhe fazer a vontade, tirei a casca após a primeira garfada. Mais tarde, ao falar com a minha mãe, ela comentou comigo,admirada: "Então não sabes que a casca da maçã assada é a única coisa que o teu pai nunca come mesmo?"
Hoje, ao almoço, o meu marido surpreendeu-me com maçã assada. Não podia não comer. Não podia deixar que as lágrimas me caissem. Agradeci o mimo e comi. Comi, mas deixei a casca. Foi a minha forma de sentir uma certa cumplicidade com o meu pai.
O meu coração ficou inquieto. Tentei encontrar paz no jardim, mas não consegui. Distrai-me com a visita dos meus filhos e netos, mas só voltei a sentir-me serena, ao serão, quando me isolei. Sentei-me, peguei nos meus materiais e comecei a aplicar círculos de tecido sobre tecido. Ponto a ponto comecei a serenar e a inquietação foi-se desvanecendo, conseguindo transformar a memória da história da maçã assada nestas palavras escritas.
círculos para aplicar no painel The Prince, da Susan Smith |
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